Ressonância
mórfica: a teoria do centésimo macaco
Na biologia, surge uma nova hipótese que promete
revolucionar toda a ciência
Por
José Tadeu Arantes,
ilustrações Dawidson França
Era uma vez
duas ilhas tropicais, habitadas pela mesma espécie de macaco, mas
sem qualquer contato perceptível entre si. Depois de várias
tentativas e erros, um esperto símio da ilha "A" descobre
uma maneira engenhosa de quebrar cocos, que lhe permite aproveitar melhor
a água e a polpa. Ninguém jamais havia quebrado cocos dessa
forma. Por imitação, o procedimento rapidamente se difunde
entre os seus companheiros e logo uma população crítica
de 99 macacos domina a nova metodologia. Quando o centésimo símio
da ilha "A" aprende a técnica recém-descoberta,
os macacos da ilha "B" começam espontaneamente a quebrar
cocos da mesma maneira.
Não houve nenhuma comunicação convencional entre
as duas populações: o conhecimento simplesmente se incorporou
aos hábitos da espécie. Este é uma história
fictícia, não um relato verdadeiro. Numa versão alternativa,
em vez de quebrarem cocos, os macacos aprendem a lavar raízes antes
de comê-las. De um modo ou de outro, porém, ela ilustra uma
das mais ousadas e instigantes idéias científicas da atualidade:
a hipótese dos "campos mórficos", proposta pelo
biólogo inglês Rupert Sheldrake. Segundo o cientista, os
campos mórficos são estruturas que se estendem no espaço-tempo
e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material.
Átomos, moléculas, cristais, organelas, células,
tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas
planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas
entidades estaria associada a um campo mórfico específico.
São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é,
uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.
Sua atuação é semelhante à dos campos magnéticos,
da física. Quando colocamos uma folha de papel sobre um ímã
e espalhamos pó de ferro em cima dela, os grânulos metálicos
distribuem-se ao longo de linhas geometricamente precisas. Isso acontece
porque o campo magnético do ímã afeta toda a região
à sua volta. Não podemos percebê-lo diretamente, mas
somos capazes de detectar sua presença por meio do efeito que ele
produz, direcionando as partículas de ferro. De modo parecido,
os campos mórficos distribuem-se imperceptivelmente pelo espaço-tempo,
conectando todos os sistemas individuais que a eles estão associados.
A analogia termina aqui, porém. Porque, ao contrário dos
campos físicos, os campos mórficos de Sheldrake não
envolvem transmissão de energia. Por isso, sua intensidade não
decai com o quadrado da distância, como ocorre, por exemplo, com
os campos gravitacional e eletromagnético. O que se transmite através
deles é pura informação. É isso que nos mostra
o exemplo dos macacos. Nele, o conhecimento adquirido por um conjunto
de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando
um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado
por toda a espécie.
Até
os cristais
Oprocesso responsável por essa coletivização da informação
foi batizado por Sheldrake com o nome de "ressonância mórfica".
Por meio dela, as informações se propagam no interior do
campo mórfico, alimentando uma espécie de memória
coletiva. Em nosso exemplo, a ressonância mórfica entre macacos
da mesma espécie teria feito com que a nova técnica de quebrar
cocos chegasse à ilha "B", sem que para isso fosse utilizado
qualquer meio usual de transmissão de informações.
Parece telepatia. Mas não é. Porque, tal como a conhecemos,
a telepatia é uma atividade mental superior, focalizada e intencional
que relaciona dois ou mais indivíduos da espécie humana.
A ressonância mórfica, ao contrário, é um processo
básico, difuso e não-intencional que articula coletividades
de qualquer tipo. Sheldrake apresenta um exemplo desconcer- tante dessa
propriedade.
Quando uma nova substância química é sintetizada em
laboratório - diz ele -, não existe nenhum precedente que
determine a maneira exata de como ela deverá cristalizar-se. Dependendo
das características da molécula, várias formas de
cristalização são possíveis. Por acaso ou
pela intervenção de fatores puramente circunstanciais, uma
dessas possibilidades se efetiva e a substância segue um padrão
determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém,
um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então,
a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz
com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização
se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo.
E quanto mais vezes ele se efetivar, maior será a probabilidade
de que aconteça novamente em experimentos futuros.
Com afirmações como essa, não espanta que a hipótese
de Sheldrake tenha causado tanta polêmica. Em 1981, quando ele publicou
seu primeiro livro, A New Science of Life (Uma nova ciência da vida),
a obra foi recebida de maneira diametralmente oposta pelas duas principais
revistas científicas da Inglaterra. Enquanto a New Scientist elogiava
o trabalho como "uma importante pesquisa científica",
a Nature o considerava "o melhor candidato à fogueira em muitos
anos".
Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge e dono de
uma larga experiência de vida, Sheldrake já era, então,
suficientemente seguro de si para não se deixar destruir pelas
críticas. Ele sabia muito bem que suas idéias heterodoxas
não seriam aceitas com facilidade pela comunidade científica.
Anos antes, havia experimentado uma pequena amostra disso, quando, na
condição de pesquisador da Universidade de Cambridge e da
Royal Society, lhe ocorreu pela primeira vez a hipótese dos campos
mórficos. A idéia foi assimilada com entusiasmo por filósofos
de mente aberta, mas Sheldrake virou motivo de gozação entre
seus colegas biólogos. Cada vez que dizia alguma coisa do tipo
"eu preciso telefonar", eles retrucavam com um "telefonar
para quê? Comunique-se por ressonância mórfica".
Era uma brincadeira amistosa, mas traduzia o desconforto da comunidade
científica diante de uma hipótese que trombava de frente
com a visão de mundo dominante. Afinal, a corrente majoritária
da biologia vangloriava-se de reduzir a atividade dos organismos vivos
à mera interação físico-química entre
moléculas e fazia do DNA uma resposta para todos os mistérios
da vida. A realidade, porém, é exuberante demais para caber
na saia justa do figurino reducionista.
Exemplo disso é o processo de diferenciação e especialização
celular que caracteriza o desenvolvimento embrionário. Como explicar
que um aglomerado de células absolutamente iguais, dotadas do mesmo
patrimônio genético, dê origem a um organismo complexo,
no qual órgãos diferentes e especializados se formam, com
precisão milimétrica, no lugar certo e no momento adequado?
A biologia reducionista diz que isso se deve à ativação
ou inativação de genes específicos e que tal fato
depende das interações de cada célula com sua vizinhança
(entendendo-se por vizinhança as outras células do aglomerado
e o meio ambiente). É preciso estar completamente entorpecido por
um sistema de crenças para engolir uma "explicação"
dessas. Como é que interações entre partes vizinhas,
sujeitas a tantos fatores casuais ou acidentais, podem produzir um resultado
de conjunto tão exato e previsível? Com todos os defeitos
que possa ter, a hipótese dos campos mórficos é bem
mais plausível. Uma estrutura espaço-temporal desse tipo
direcionaria a diferenciação celular, fornecendo uma espécie
de roteiro básico ou matriz para a ativação ou inativação
dos genes.
Ação
modesta
Abiologia reducionista transformou o DNA numa cartola de mágico,
da qual é possível tirar qualquer coisa. Na vida real, porém,
a atuação do DNA é bem mais modesta. O código
genético nele inscrito coordena a síntese das proteínas,
determinando a seqüência exata dos aminoácidos na construção
dessas macromoléculas. Os genes ditam essa estrutura primária
e ponto.
"A maneira como as proteínas se distribuem dentro das células,
as células nos tecidos, os tecidos nos órgãos e os
órgãos nos organismos não estão programadas
no código genético", afirma Sheldrake. "Dados
os genes corretos, e portanto as proteínas adequadas, supõe-se
que o organismo, de alguma maneira, se monte automaticamente. Isso é
mais ou menos o mesmo que enviar, na ocasião certa, os materiais
corretos para um local de construção e esperar que a casa
se construa espontaneamente."
A morfogênese, isto é, a modelagem formal de sistemas biológicos
como as células, os tecidos, os órgãos e os organismos
seria ditada por um tipo particular de campo mórfico: os chamados
"campos morfogenéticos". Se as proteínas correspondem
ao material de construção, os "campos morfogenéticos"
desempenham um papel semelhante ao da planta do edifício. Devemos
ter claras, porém, as limitações dessa analogia.
Porque a planta é um conjunto estático de informações,
que só pode ser implementado pela força de trabalho dos
operários envolvidos na construção. Os campos morfogenéticos,
ao contrário, estão eles mesmos em permanente interação
com os sistemas vivos e se transformam o tempo todo graças ao processo
de ressonância mórfica.
Tanto quanto a diferenciação celular, a regeneração
de organismos simples é um outro fenômeno que desafia a biologia
reducionista e conspira a favor da hipótese dos campos morfogenéticos.
Ela ocorre em espécies como a dos platelmintos, por exemplo. Se
um animal desses for cortado em pedaços, cada parte se transforma
num organismo completo.
Forma original
Como mostra a ilustração da página ao lado, o sucesso
da operação independe da forma como o pequeno verme é
seccionado. O paradigma científico mecanicista, herdado do filósofo
francês René Descartes (1596-1650), capota desastrosamente
diante de um caso assim. Porque Descartes concebia os animais como autômatos
e uma máquina perde a integridade e deixa de funcionar se algumas
de suas peças forem retiradas. Um organismo como o platelminto,
ao contrário, parece estar associado a uma matriz invisível,
que lhe permite regenerar sua forma original mesmo que partes importantes
sejam removidas.
A hipótese dos campos morfogenéticos é bem anterior
a Sheldrake, tendo surgido nas cabeças de vários biólogos
durante a década de 20. O que Sheldrake fez foi generalizar essa
idéia, elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos,
aplicável a todos os sistemas naturais e não apenas aos
entes biológicos. Propôs também a existência
do processo de ressonância mórfica, como princípio
capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos
mórficos. Não é difícil perceber os impactos
que tal processo teria na vida humana. "Experimentos em psicologia
mostram que é mais fácil aprender o que outras pessoas já
aprenderam", informa Sheldrake.
Ele mesmo vem fazendo interessantes experimentos nessa área. Um
deles mostrou que uma figura oculta numa ilustração em alto
constraste torna-se mais fácil de perceber depois de ter sido percebida
por várias pessoas (veja o quadro na página ao lado). Isso
foi verificado numa pesquisa realizada entre populações
da Europa, das Américas e da África em 1983. Em duas ocasiões,
os pesquisadores mostraram as ilustrações 1 e 2 a pessoas
que não conheciam suas respectivas "soluções".
Entre uma enquete e outra, a figura 2 e sua "resposta" foram
transmitidas pela TV. Verificou-se que o índice de acerto na segunda
mostra subiu 76% para a ilustração 2, contra apenas 9% para
a 1.
Aprendizado
Se for definitivamente comprovado que os conteúdos mentais se transmitem
imperceptivelmente de pessoa a pessoa, essa propriedade terá aplicações
óbvias no domínio da educação. "Métodos
educacionais que realcem o processo de ressonância mórfica
podem levar a uma notável aceleração do aprendizado",
conjectura Sheldrake. E essa possibilidade vem sendo testada na Ross School,
uma escola experimental de Nova York dirigida pelo matemático e
filósofo Ralph Abraham.
Outra conseqüência ocorreria no campo da psicologia. Teorias
psicológicas como as de Carl Gustav Jung e Stanislav Grof, que
enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique, receberiam
um notável reforço, em contraposição ao modelo
reducionista de Sigmund Freud (leia o artigo "Nas fronteiras da consciência",
em Globo Ciência nº 32).
Sem excluir outros fatores, o processo de ressonância mórfica
forneceria um novo e importante ingrediente para a compreensão
de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e os cultos da morbidez
e da violência, que assumiram proporções epidêmicas
no mundo contemporâneo, e poderia propiciar a criação
de métodos mais efetivos de terapia.
"A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer
padrão repetitivo, seja ele bom ou mal", afirmou Sheldrake
a Galileu. "Por isso, cada um de nós é mais responsável
do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros
e serem repetidas".
De todas as aplicações da ressonância mórfica,
porém, as mais fantásticas insinuam-se no domínio
da tecnologia. Computadores quânticos, cujo funcionamento comporta
uma grande margem de indeterminação, seriam conectados por
ressonância mórfica, produzindo sistemas em permanente transformação.
"Isso poderia tornar-se uma das tecnologias dominantes do novo milênio",
entusiasma-se Sheldrake.
Sem nenhum contato
entre si, macacos de uma ilha incorporam os conhecimentos desenvolvidos
na outra.É os campos invisíveis comandariam processos e atitudes: da formação do embrião aos
modismos
O desenvolvimento do embrião (ao alto): a ciência reducionista
não explica como é que células iguais formam órgãos
tão diferentes. Nas outras imagens, a moda do piercing e da tatuagem
e a febre do futebol, que to
ma conta do Brasil nas copas do mundo: comportamentos que poderiam ser
influenciados pela ressonância mórfica
É mais fácil aprender o que já foi aprendido por
outros:
a idéia que pode mudar o ensino
A regeneração
do platelminto (no pé da página): um fenômeno que
desafia a biologia mecanicista. Na outra imagem, uma aula no interior
do Brasil: processo que pode estar sendo facilitado pelo ensino praticado
em qualquer parte do mundo
Descubra
as figuras ocultas
Um experimento coordenado por Sheldrake mostrou que é mais fácil
identificar uma figura oculta numa ilustração em alto contraste
depois de ela já ter sido percebida por outras pessoas. O índice
de acerto para a ilustração 2 cresceu 76% depois de ela
ter sido transmitida pela televisão. O da ilustração
1, que não foi televisionada, subiu apenas 9%. A enquete foi realizada
na Europa, nas Américas e na África e as pessoas entrevistadas
não conheciam de antemão as "respostas". As ilustrações
3 e 4, no pé da página, estão sendo publicadas atualmente
na Internet pela revista espanhola El Mercurio. Quem quiser participar da pesquisa deve acessar o endereço
http://www.mercurialis.com/ciencia/sheldrake/ introduccion.htm