sábado, 11 de outubro de 2014

Alex Valauri - A sensibilidade de um grande artista



Alex Vallauri nasceu em Asmara, Etiópia em 1949. Foi grafiteiro, artista gráfico, pintor, desenhista, cenógrafo e gravador. Tinha dupla nacionalidade, uma delas era italiana. Formado em comunicação visual pela Fundação Armando Álvares Penteado se especializou em artes gráficas no Litho Art Center na Suécia.
alex vallauri–o artista do graffiti Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70

Estudou desenho no Billy Accioli na Inglaterra frequentando também o Pratt Institute nos Estados Unidos. Treinou sua técnica de gravura retratando pessoas no porto de Santos, dando continuidade aos grafites em espaços públicos nos muros de São Paulo. Aplicou a xerografia como uma nova maneira de aplicar gravura e também estampou camisetas, bottons, adesivos sendo pioneiro do grafite no Brasil.

Nos anos 70, se interessou por objetos kitsch, e fotografou painéis de azulejos, pintados nos anos 50 e colados nas paredes de restaurantes de São Paulo. Vallauri compôs suas obras iniciando uma coleção de carimbos de uma fábrica na década de 50, onde totalizou 400 carimbos.

Um dos trabalhos dele no final dos anos 70, foi o grafite de uma bota preta, salto fino e cano longo inserido na paisagem urbana anonimamente. Resultado de um dos seus trabalhos de três anos, apresentou na Pinacoteca do Estado de São Paulo uma documentação áudio-visual individual que foi Muros de São Paulo, ganhando também em 1981 o prêmio Arte da Associação Paulista de Críticos de Arte.

As características de suas obras eram o de resgatar o passado, apropriando-se das imagens e a recontextualização dos significados nas intervenções no cenário urbano. Veja abaixo algumas de suas pinturas:
alex vallauri 1969 Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70
Alex-Vallauri-1969
alex vallauri 1965 Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70
Alex Vallauri – 1965
alex vallauri Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70
Alex Vallauri
stencil alex vallauri Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70
Stencil – Alex Vallauri
el trio los panteras 1982 alex vallauri 300x179 Grafiteiro Alex Vallauri, Grafiteiro desde a Década de 70
El Trio Los Panteras – Alex Vallauri – 1982

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Rupert Sheldrake e o Poder da Massa Critica

Ressonância mórfica: a teoria do centésimo macaco
Na biologia, surge uma nova hipótese que promete revolucionar toda a ciência

Por José Tadeu Arantes,
ilustrações Dawidson França


Era uma vez duas ilhas tropicais, habitadas pela mesma espécie de macaco, mas sem qualquer contato perceptível entre si. Depois de várias tentativas e erros, um esperto símio da ilha "A" descobre uma maneira engenhosa de quebrar cocos, que lhe permite aproveitar melhor a água e a polpa. Ninguém jamais havia quebrado cocos dessa forma. Por imitação, o procedimento rapidamente se difunde entre os seus companheiros e logo uma população crítica de 99 macacos domina a nova metodologia. Quando o centésimo símio da ilha "A" aprende a técnica recém-descoberta, os macacos da ilha "B" começam espontaneamente a quebrar cocos da mesma maneira.

Não houve nenhuma comunicação convencional entre as duas populações: o conhecimento simplesmente se incorporou aos hábitos da espécie. Este é uma história fictícia, não um relato verdadeiro. Numa versão alternativa, em vez de quebrarem cocos, os macacos aprendem a lavar raízes antes de comê-las. De um modo ou de outro, porém, ela ilustra uma das mais ousadas e instigantes idéias científicas da atualidade: a hipótese dos "campos mórficos", proposta pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake. Segundo o cientista, os campos mórficos são estruturas que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material.

Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfico específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.

Sua atuação é semelhante à dos campos magnéticos, da física. Quando colocamos uma folha de papel sobre um ímã e espalhamos pó de ferro em cima dela, os grânulos metálicos distribuem-se ao longo de linhas geometricamente precisas. Isso acontece porque o campo magnético do ímã afeta toda a região à sua volta. Não podemos percebê-lo diretamente, mas somos capazes de detectar sua presença por meio do efeito que ele produz, direcionando as partículas de ferro. De modo parecido, os campos mórficos distribuem-se imperceptivelmente pelo espaço-tempo, conectando todos os sistemas individuais que a eles estão associados.
A analogia termina aqui, porém. Porque, ao contrário dos campos físicos, os campos mórficos de Sheldrake não envolvem transmissão de energia. Por isso, sua intensidade não decai com o quadrado da distância, como ocorre, por exemplo, com os campos gravitacional e eletromagnético. O que se transmite através deles é pura informação. É isso que nos mostra o exemplo dos macacos. Nele, o conhecimento adquirido por um conjunto de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado por toda a espécie.

Até os cristais
Oprocesso responsável por essa coletivização da informação foi batizado por Sheldrake com o nome de "ressonância mórfica". Por meio dela, as informações se propagam no interior do campo mórfico, alimentando uma espécie de memória coletiva. Em nosso exemplo, a ressonância mórfica entre macacos da mesma espécie teria feito com que a nova técnica de quebrar cocos chegasse à ilha "B", sem que para isso fosse utilizado qualquer meio usual de transmissão de informações.

Parece telepatia. Mas não é. Porque, tal como a conhecemos, a telepatia é uma atividade mental superior, focalizada e intencional que relaciona dois ou mais indivíduos da espécie humana. A ressonância mórfica, ao contrário, é um processo básico, difuso e não-intencional que articula coletividades de qualquer tipo. Sheldrake apresenta um exemplo desconcer- tante dessa propriedade.

Quando uma nova substância química é sintetizada em laboratório - diz ele -, não existe nenhum precedente que determine a maneira exata de como ela deverá cristalizar-se. Dependendo das características da molécula, várias formas de cristalização são possíveis. Por acaso ou pela intervenção de fatores puramente circunstanciais, uma dessas possibilidades se efetiva e a substância segue um padrão determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém, um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então, a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo. E quanto mais vezes ele se efetivar, maior será a probabilidade de que aconteça novamente em experimentos futuros.
Com afirmações como essa, não espanta que a hipótese de Sheldrake tenha causado tanta polêmica. Em 1981, quando ele publicou seu primeiro livro, A New Science of Life (Uma nova ciência da vida), a obra foi recebida de maneira diametralmente oposta pelas duas principais revistas científicas da Inglaterra. Enquanto a New Scientist elogiava o trabalho como "uma importante pesquisa científica", a Nature o considerava "o melhor candidato à fogueira em muitos anos".

Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge e dono de uma larga experiência de vida, Sheldrake já era, então, suficientemente seguro de si para não se deixar destruir pelas críticas. Ele sabia muito bem que suas idéias heterodoxas não seriam aceitas com facilidade pela comunidade científica. Anos antes, havia experimentado uma pequena amostra disso, quando, na condição de pesquisador da Universidade de Cambridge e da Royal Society, lhe ocorreu pela primeira vez a hipótese dos campos mórficos. A idéia foi assimilada com entusiasmo por filósofos de mente aberta, mas Sheldrake virou motivo de gozação entre seus colegas biólogos. Cada vez que dizia alguma coisa do tipo "eu preciso telefonar", eles retrucavam com um "telefonar para quê? Comunique-se por ressonância mórfica".

Era uma brincadeira amistosa, mas traduzia o desconforto da comunidade científica diante de uma hipótese que trombava de frente com a visão de mundo dominante. Afinal, a corrente majoritária da biologia vangloriava-se de reduzir a atividade dos organismos vivos à mera interação físico-química entre moléculas e fazia do DNA uma resposta para todos os mistérios da vida. A realidade, porém, é exuberante demais para caber na saia justa do figurino reducionista.

Exemplo disso é o processo de diferenciação e especialização celular que caracteriza o desenvolvimento embrionário. Como explicar que um aglomerado de células absolutamente iguais, dotadas do mesmo patrimônio genético, dê origem a um organismo complexo, no qual órgãos diferentes e especializados se formam, com precisão milimétrica, no lugar certo e no momento adequado?

A biologia reducionista diz que isso se deve à ativação ou inativação de genes específicos e que tal fato depende das interações de cada célula com sua vizinhança (entendendo-se por vizinhança as outras células do aglomerado e o meio ambiente). É preciso estar completamente entorpecido por um sistema de crenças para engolir uma "explicação" dessas. Como é que interações entre partes vizinhas, sujeitas a tantos fatores casuais ou acidentais, podem produzir um resultado de conjunto tão exato e previsível? Com todos os defeitos que possa ter, a hipótese dos campos mórficos é bem mais plausível. Uma estrutura espaço-temporal desse tipo direcionaria a diferenciação celular, fornecendo uma espécie de roteiro básico ou matriz para a ativação ou inativação dos genes.

Ação modesta
Abiologia reducionista transformou o DNA numa cartola de mágico, da qual é possível tirar qualquer coisa. Na vida real, porém, a atuação do DNA é bem mais modesta. O código genético nele inscrito coordena a síntese das proteínas, determinando a seqüência exata dos aminoácidos na construção dessas macromoléculas. Os genes ditam essa estrutura primária e ponto.
"A maneira como as proteínas se distribuem dentro das células, as células nos tecidos, os tecidos nos órgãos e os órgãos nos organismos não estão programadas no código genético", afirma Sheldrake. "Dados os genes corretos, e portanto as proteínas adequadas, supõe-se que o organismo, de alguma maneira, se monte automaticamente. Isso é mais ou menos o mesmo que enviar, na ocasião certa, os materiais corretos para um local de construção e esperar que a casa se construa espontaneamente."
A morfogênese, isto é, a modelagem formal de sistemas biológicos como as células, os tecidos, os órgãos e os organismos seria ditada por um tipo particular de campo mórfico: os chamados "campos morfogenéticos". Se as proteínas correspondem ao material de construção, os "campos morfogenéticos" desempenham um papel semelhante ao da planta do edifício. Devemos ter claras, porém, as limitações dessa analogia. Porque a planta é um conjunto estático de informações, que só pode ser implementado pela força de trabalho dos operários envolvidos na construção. Os campos morfogenéticos, ao contrário, estão eles mesmos em permanente interação com os sistemas vivos e se transformam o tempo todo graças ao processo de ressonância mórfica.

Tanto quanto a diferenciação celular, a regeneração de organismos simples é um outro fenômeno que desafia a biologia reducionista e conspira a favor da hipótese dos campos morfogenéticos. Ela ocorre em espécies como a dos platelmintos, por exemplo. Se um animal desses for cortado em pedaços, cada parte se transforma num organismo completo.

Forma original
Como mostra a ilustração da página ao lado, o sucesso da operação independe da forma como o pequeno verme é seccionado. O paradigma científico mecanicista, herdado do filósofo francês René Descartes (1596-1650), capota desastrosamente diante de um caso assim. Porque Descartes concebia os animais como autômatos e uma máquina perde a integridade e deixa de funcionar se algumas de suas peças forem retiradas. Um organismo como o platelminto, ao contrário, parece estar associado a uma matriz invisível, que lhe permite regenerar sua forma original mesmo que partes importantes sejam removidas.

A hipótese dos campos morfogenéticos é bem anterior a Sheldrake, tendo surgido nas cabeças de vários biólogos durante a década de 20. O que Sheldrake fez foi generalizar essa idéia, elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos, aplicável a todos os sistemas naturais e não apenas aos entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica, como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos. Não é difícil perceber os impactos que tal processo teria na vida humana. "Experimentos em psicologia mostram que é mais fácil aprender o que outras pessoas já aprenderam", informa Sheldrake.

Ele mesmo vem fazendo interessantes experimentos nessa área. Um deles mostrou que uma figura oculta numa ilustração em alto constraste torna-se mais fácil de perceber depois de ter sido percebida por várias pessoas (veja o quadro na página ao lado). Isso foi verificado numa pesquisa realizada entre populações da Europa, das Américas e da África em 1983. Em duas ocasiões, os pesquisadores mostraram as ilustrações 1 e 2 a pessoas que não conheciam suas respectivas "soluções". Entre uma enquete e outra, a figura 2 e sua "resposta" foram transmitidas pela TV. Verificou-se que o índice de acerto na segunda mostra subiu 76% para a ilustração 2, contra apenas 9% para a 1.

Aprendizado
Se for definitivamente comprovado que os conteúdos mentais se transmitem imperceptivelmente de pessoa a pessoa, essa propriedade terá aplicações óbvias no domínio da educação. "Métodos educacionais que realcem o processo de ressonância mórfica podem levar a uma notável aceleração do aprendizado", conjectura Sheldrake. E essa possibilidade vem sendo testada na Ross School, uma escola experimental de Nova York dirigida pelo matemático e filósofo Ralph Abraham.

Outra conseqüência ocorreria no campo da psicologia. Teorias psicológicas como as de Carl Gustav Jung e Stanislav Grof, que enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique, receberiam um notável reforço, em contraposição ao modelo reducionista de Sigmund Freud (leia o artigo "Nas fronteiras da consciência", em Globo Ciência nº 32).

Sem excluir outros fatores, o processo de ressonância mórfica forneceria um novo e importante ingrediente para a compreensão de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e os cultos da morbidez e da violência, que assumiram proporções epidêmicas no mundo contemporâneo, e poderia propiciar a criação de métodos mais efetivos de terapia.

"A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mal", afirmou Sheldrake a Galileu. "Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas".

De todas as aplicações da ressonância mórfica, porém, as mais fantásticas insinuam-se no domínio da tecnologia. Computadores quânticos, cujo funcionamento comporta uma grande margem de indeterminação, seriam conectados por ressonância mórfica, produzindo sistemas em permanente transformação. "Isso poderia tornar-se uma das tecnologias dominantes do novo milênio", entusiasma-se Sheldrake.

Sem nenhum contato entre si, macacos de uma ilha incorporam os conhecimentos desenvolvidos na outra.É os campos invisíveis comandariam processos e atitudes: da formação do embrião aos modismos

O desenvolvimento do embrião (ao alto): a ciência reducionista não explica como é que células iguais formam órgãos tão diferentes. Nas outras imagens, a moda do piercing e da tatuagem e a febre do futebol, que to
ma conta do Brasil nas copas do mundo: comportamentos que poderiam ser influenciados pela ressonância mórfica

É mais fácil aprender o que já foi aprendido por outros:
a idéia que pode mudar o ensino
A regeneração do platelminto (no pé da página): um fenômeno que desafia a biologia mecanicista. Na outra imagem, uma aula no interior do Brasil: processo que pode estar sendo facilitado pelo ensino praticado
em qualquer parte do mundo

Descubra as figuras ocultas
Um experimento coordenado por Sheldrake mostrou que é mais fácil identificar uma figura oculta numa ilustração em alto contraste depois de ela já ter sido percebida por outras pessoas. O índice de acerto para a ilustração 2 cresceu 76% depois de ela ter sido transmitida pela televisão. O da ilustração 1, que não foi televisionada, subiu apenas 9%. A enquete foi realizada na Europa, nas Américas e na África e as pessoas entrevistadas não conheciam de antemão as "respostas". As ilustrações 3 e 4, no pé da página, estão sendo publicadas atualmente na Internet pela revista espanhola El Mercurio. Quem quiser participar da pesquisa deve acessar o endereço http://www.mercurialis.com/ciencia/sheldrake/ introduccion.htm

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A EDUCAÇÃO ABERTA PARA UMA NOVA CIÊNCIA HUMANITÁRIA


perfil greif Sérgio Greif -  sergio_greif@yahoo.com

domingo, 17 de novembro de 2013


A TRANSIÇÃO HUMANA PARA A CIVILIZAÇÃO DO III MILENIO

Educação Humanitária

Biólogo formado pela UNICAMP, mestre em Alimentos e Nutrição com tese em nutrição vegetariana pela mesma universidade, docente da MBA em Gestão Ambiental da Universidade de São Caetano do Sul, ativista pelos direitos animais, vegano desde 1998, consultor em diversas ações civis publicas e audiências públicas em defesa dos direitos animais. Co-autor do livro "A Verdadeira Face da Experimentação Animal: A sua saúde em perigo" e autor de "Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação: pela ciência responsável", além de diversos artigos e ensaios referentes à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano, aos direitos ambientais, à bioética, à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação e aos impactos da pecuária ao meio ambiente, entre outros temas. Realiza palestras nesse mesmo tema. Membro fundador da Sociedade Vegana.
Recentemente tive a oportunidade de assistir a uma interessante palestra do professor Vinicius Signorelli, da Sangari do Brasil, onde importantes questões educacionais foram abordadas. Em sua exposição, o professor tratou de algumas problemáticas do ensino que tive a oportunidade de experimentar na qualidade de estudante e, mais tarde, na qualidade de educador.

Um dos pontos mais importantes, ao meu ver, era a questão da necessidade de transmissão de todo um conteúdo programático em determinado espaço de tempo. Meu professor de química do ginásio provavelmente tinha a noção de que não adiantaria tentar nos ensinar sobre ligações químicas logo na segunda aula, após nos haver ensinado sobre os modelos atômicos, porque não havíamos ainda compreendido aquela primeira parte da disciplina. E antes que pudéssemos compreender essa segunda aula, já estávamos aprendendo sobre funções inorgânicas, cálculo estequiométrico ou massa atômica. É possível que eu só tenha começado a entender o conceito de átomos nas duas últimas aulas do ano, que eram sobre química orgânica.

O mesmo problema tive de enfrentar em outra posição, quando me tornei professor em um cursinho, porque todo o conteúdo de 2º grau de biologia precisava ser transmitido aos estudantes em um ano, estivessem eles entendendo a matéria anterior ou não. Por mais que as aulas fossem transmitidas em um tom informal e houvesse um plantão para tirada de dúvidas, o conteúdo da disciplina precisava ser decorado, não apenas compreendido. E afinal, não podemos explicar porque que um estudante de segundo grau que prestará vestibular para a faculdade de letras precisa saber sobre a função do retículo endoplasmático ou calcular quais as forças atuando sobre um carrinho correndo sobre uma mesa. Porque mesmo que ele decore essas coisas para passar no vestibular, é provável que logo as esqueça.

O ensino de ciências deveria incitar a curiosidade científica dos estudantes, e não apenas fazê-los decorar tabelas e esquemas. Entender o que precisa ser aprendido só acontecerá quando o aluno despertar interesse pelo assunto e conseguir realizar conexões entre os diferentes fenômenos. A ciência se encontra de tal forma desvinculada dos outros campos de conhecimento, distante de nossa realidade, que a maioria de nós se sente incapaz de associar os eventos cotidianos à pratica de aprendizado de ciências.

Mais do que receber toda uma carga de conhecimentos que ele provavelmente não é capaz de absorver, o estudante precisa ter a ciência em seu cotidiano, precisa ser capaz de interpretar sua realidade à luz do raciocínio científico. E, mais do que isso, o ensino de ciência não deve se limitar ao seu campo de atuação, mas se estender a outras áreas.

É fato que o conteúdo transmitido pelo educador interfere no cotidiano do estudante. É desejável que essa interferência ocorra, mas somente quando ela for positiva. A história mostra que a ciência pode ser usada tanto para bons quanto para maus fins. O uso, a inclinação que se dará para ela, em muito depende da educação que o cientista em formação recebe, não apenas no que se refere às questões diretamente abordadas enquanto conteúdo explícito, mas também todo o conteúdo transmitido mediante o currículo oculto.

E por "currículo oculto" entendamos todos os valores que são transmitidos aos estudantes, impregnados no conteúdo da disciplina ou na forma como esse lhes é transmitido. Esses valores acabam por moldar o caráter dos estudantes, influenciando suas atitudes para com seus colegas, sua família e a comunidade.

Muitas vezes o currículo oculto passa despercebido aos olhos do professor. Uma frase mal colocada ou uma informação omitida e aquela simples aula sobre evolução darwinista acaba inspirando sentimentos racistas. Em outras ocasiões, é nítido que o currículo oculto é propositalmente inserido dentro do contexto, com vistas a transmitir uma mensagem subliminar. E o caso da utilização didática de animais, onde a mensagem de que animais são recursos ou de que tudo é permitido em nome da ciência parece ser ainda mais importante do que aprender anatomia interna da minhoca.
Cabe ao educador estar atento, porque mais do que ciência, ele está ensinando valores; Cabe à sociedade estar atenta, porque mais do que formar possíveis cientistas, as escolas formam cidadãos. Nesse contexto cabe falar sobre a "educação humanitária".

A educação humanitária pode ser definida como a educação que incentiva o respeito e a ética para com todos os seres, no contexto do ensino de ciências. Ela não visa apenas a transmissão do conhecimento contido no conteúdo programático, mas também o desenvolvimento de atitudes positivas em relação ás pessoas, aos demais animais e ao meio ambiente.

Há uma ligação direta entre o respeito aos seres humanos e o respeito aos demais animais e ao meio ambiente. É fatídico que o currículo oculto atualmente traga a mensagem de que os animais são recursos, objetos descartáveis, porque uma mensagem que talvez escape a essa programação é a de que seres humanos também são objetos. Não há como evitar que uma coisa leve à outra.

Estudos revelam uma correlação entre a prática de desrespeito contra animais na infância e a prática de crimes hediondos na idade adulta. Crianças que experimentam a violência doméstica com maior freqüência se tornam adultos insensíveis. De igual maneira, crianças que vivenciam a violência contra animais tendem a perder a capacidade de sentir compaixão e passam a desrespeitar outras formas de vida.

No "currículo oculto" das instituições de 2º grau e principalmente nas universidades, há práticas voltadas especificamente para dessensibilizar os estudantes. Por exemplo, estudantes são induzidos a realizar procedimentos em animais agonizando, de forma que se tornem menos sensíveis ao seu sofrimento. Dessa forma, espera-se que isso os capacite a terem "sangue frio" para tratar pacientes humanos agonizando.

O grande problema dessa prática é quando ela dá certo, porque é nítido que há um problema quando um estudante presencia um cão agonizando e não se compadece. O estudante de medicina que vê esse animal como um objeto, como um boneco para realização de procedimentos desnecessários, dificilmente terá uma visão diferente de seus pacientes. Não é a toa que o cenário que encontramos é de uma medicina desumanizada. O paciente que acorre a um consultório particular recebe, na maioria das vezes, um tratamento com alguma dignidade, afinal, ele é um cliente; mas o paciente que acorre a um hospital público não tem o mesmo tratamento, porque o médico o trata conforme aprendeu a tratar.

A educação humanitária, por outro lado, visa formar mais do que médicos e cientistas. Ela visa formar cidadãos responsáveis, éticos, compassivos, sensíveis. Porque é óbvio que um médico que escute seu paciente e de fato esteja preocupado com sua saúde é melhor profissional do que um médico que apenas exercite seu ego fazendo uso de um poder exercido em caráter temporário.

Mais do que um movimento de "proteção às cobaias", esse é um movimento pela qualidade no ensino das ciências, da biologia, da medicina veterinária e humana. E de fato, diversos estudos demonstram que estudantes aprendem melhor através dessas metodologias, porque elas enfocam o conteúdo das disciplinas, não distraindo o estudante com a preocupação de se o animal vai acordar, se ele ainda está respirando, se ele vai morrer etc. Nada ali confronta sua ética ou compaixão, não há conflito, e por isso mesmo, o estudante não tem outra preocupação senão aprender.

As metodologias utilizadas na educação humanitária são as mais variadas, sendo que todas procuram desvincular o estudante da visão de que animais são recursos. Não necessitamos de cães, ratos ou coelhos para entendermos como funciona o sistema circulatório, para isso podemos utilizar atlas anatômicos, livros textos, softwares educacionais, simulações computadorizadas, slide-shows, manequins anatômicos, vídeos, cadáveres de animais obtidos de forma ética, podemos utilizar recursos que permitam que os estudantes estudem o sistema circulatório em seus próprios colegas, de forma consentida, amigável e interativa. Enfim, as possibilidades são imensas e não há porque limitá-las a uma única metodologia, tão discutível e polêmica.

O processo de aprendizado de ciências não precisa ser esse pesadelo desumano, onde as convicções éticas do estudante são a todo momento agredidas pela imposição do conceito de que isso é necessário ou imprescindível, para sua formação. A coação para que os estudantes participem dessas práticas de fato em nada contribui para seu futuro, pelo contrário, os torna sujeitos menos sensíveis e questionadores ou leva muitos à evasão para outros cursos. Com isso a ciência perde, porque deixa de atrair pessoa sensíveis e questionadoras.

A educação humanitária já é praticada em países europeus e nos EUA há muitos anos e não há porque não implementá-la também no Brasil. Dela não se beneficiam apenas aqueles que tem afinidade pelos animais, mas também o indivíduo e a sociedade.